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                                           MÊS DE JULHO

Acabaram-se as celebrações dos Santos populares. Eis que nos visita o mês de Julho. Rebusquei ideias sobre quais poderia escrever. Não me foi fácil. De repente, recordei-me que a Conferência Episcopal Portuguesa fez apelo veemente, sobre o valor, dignidade e alegria da família cristã. Tal qual o tema, tratado pelo emérito bispo de Viseu, D. Ilídio Pinto Leandro, no dia da Formação, realizada no Outeiro de S. Miguel, em 16/02/2019.

Também recordei um artigo escrito por alguém que diz não concordar com o facto de Santo António ser tratado como um santo “casamenteiro”. Certo é que o povo e muitas pessoas interessadas o têm como tal e sobre isso nada há a fazer. Nesse sentido, recordei também Augusto Gil, o poeta da Guarda,  e o seu poema: “O passeio de Santo António” que não resisto em transcreve-lo.



O PASSEIO DE SANTO ANTÓNIO


Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se, distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.


De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.


Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
– Ó Frei António, o que foi aquilo?…

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
– Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
– Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
– Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.

– Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
– Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou:
– Jesus, são horas…

E abalaram pró convento.



Só do nosso, sempre e inesquecível, Augusto Gil.

Pessoalmente, gosto muito deste poema. Um raio de claridade pelo qual a Graça, o Deus-Menino se digna descer para vir a ter com frei António a braços com o sermão sobre o pecado; a familiaridade do Menino com Santo António e a ternura e paciência de Santo António com o Menino; a graciosidade da criança, que experimenta a sabedoria do adulto, quando ela já sabe a solução; a tenacidade em forçar pergunta-resposta levando-a para um outro sentido; as ‘piedosas mentiras’ de que toda a gente se ri; uma solução imprevista quanto ‘redentora’; a presumível e doce autoridade da mãe, respeitada pelo Menino e que jamais foi ofendida; uma ecologia que tanta falta faz em nossos tempos; um namoro sincero que se encaminha para um noivado; um amor apaixonado que nada vê, nem quem o rodeia, cega-se no olhar do outro; e tudo, tudo o mais que a imaginação do leitor queira exprimir…

Em todas estas realidades, se espelha, a meu ver, a essência da verdadeira família e o amor que a nutre. Com elas se fala do Mistério, dos Valores mais altos, da Alegria que inebria e torna mais suave as agruras da vida. Foi por isso que me decidi:

Hoje, mais que nunca, é necessário celebrar, viver, apoiar, saborear e rezar por todas as famílias.

Hoje, recordo a família a que pertenço com todos os seus altos e baixos mas sobretudo com a riqueza que em si encerra.

Hoje, também quero questionar e celebrar todas as comunidades revestidas com o ‘ADN’ próprio da família.

Hoje, e sempre, será minha intenção olhar e rezar pelos que vivem o matrimónio, celebram o seu amor e ao mesmo se mantêm fiéis.

Hoje, compreenderei melhor os que, com esforço titânico, continuam a acreditar em si mesmos e no seu amor. Recordarei as famílias que sucumbiram no seu amor.

Hoje, não deixarei de compreender a dor atroz, a covardia e o desprezo que leva muitos a procurar um mínimo de ‘Paz’ separando-se de quem, constantemente, faz da guerra e da violência o seu lema.

Hoje, rezarei por todos os casais. Nesse sentido também Santo António não deixará de interceder por eles. E já que o Povo o considera como o Santo das ‘coisas perdidas’ que através de Santo António, cada casal possa reencontrar o AMOR, quando perdido.

Quem se associa e aceita esta proposta?!

·         Recordemos que Santo António é também padroeiro da Liga dos Servos de Jesus.



               Guarda, 01-07-2019

Assistente Geral

________________

P. Alfredo Pinheiro Neves



[1] P.S. Peço desculpa por só agora editar este pequenino artigo. Ainda que o mesmo tenha sido escrito em tempo devido, não foi possível editá-lo mais cedo. A vossa compreensão.

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