Por motivos vários não é difícil deslocarmo-nos e usufruirmos
um pouco do jardim de uma qualquer cidade ou vila tanto melhor se ele se
encontrar remodelado. O calor convida ao
passeio e a necessidade de se usufruir de um pouco de música, de uma bebida ou
da presença de pessoas amigas mais facilmente nos detém os passos. É fácil
deparar-me com quadros familiares só propícios às noites de verão. Os “protagonistas principais” serão sempre
as criancitas. Umas dormitando no colo dos progenitores; outras, mais cansadas,
nos carritos de bébé; outras fugindo aos pais, numa correria pouco segura
quanto irrefletida, outras ainda, empertigadas nos poucos anos de vida, parecem
gente de palmo e meio. Correm atrás da bola, tentam o equilíbrio na pequena
bicicleta ou na trotinete que guiam por entre os transeuntes. Há sempre as mais
velhitas que imploram um gelado e as que fazem “birras” porque o sono as
aborrece.
Quando os pais não podem estar, são
os avós que se responsabilizam por elas. Cansados e batidos pela idade
“veem-se” e “desejam-se” para corresponderem às exigências das brincadeiras
infantis. Isso é bem evidente quando se trata de “jogar às escondidas”, ou
conseguir uma “finta de corpo” dominando a bola de futebol. Só a simplicidade e
a ingenuidade delas são as únicas vantagens para eles. Raramente conseguem
chegar, ao local combinado, primeiro que elas. Duas ou três corridas e
desistem. Estão “pesados”, marcados pelo “reumatismo”, desafiados pelas suas ou
pelas doenças de alguém, vivendo preocupados com as agruras da vida real ou as
memórias da que já foi vivida. No futebol perderam toda a agilidade e a garra
dos tempos de outrora perdeu-se também. Além disso o calçado não está adaptado
e tantas outras desculpas, algumas inventadas para ocultar a vida já vivida.
Enfim, tempos idos e que não voltam.
Mesmo assim:
Admiro estes pais, estes avós, estes padrinhos ou tios. No seu tempo não tiveram, digo eu,
esta ternura, esta paciência, esta disponibilidade por parte dos seus pais ou
outros familiares. A vida era adversa. Contudo eles souberam “recriar-se e
reinventar-se”. Transfiguraram-se e o que lhes faltou então dão-no agora
gratuitamente.
Admiro as crianças. Elas acreditam nos avós e apostam tudo nos pais. Eles serão, para já, os
seus heróis. Em tempos idos, ainda que a realidade fosse a mesma, a
manifestação destes sentimentos, era bem diferente. Nessa altura, o “grupo”
tinha um papel mais preponderante. Os “bandos infantis” eram mais numerosos e a
“rua” ensinava mais. Era a “Mestra”. Raramente uma “Mestra” ideal.
E fico-me a pensar na narrativa do Génesis 3,8-10. Deus veio também e não deixou, pela
brisa da tarde, de percorrer o “jardim” por Ele criado. “ - Onde estás? ” – Perguntou. “ - Ouvi o rumor dos Teus passos, tive medo
e escondi-me ”.
A humanidade inteira escondera-se de
si e de Deus. Tinha desobedecido. Quebrara-se o bucolismo da natureza, a
harmonia, a familiaridade com Deus, a Paz e o Amor. Cessaram as Relações.
Voltou o caos. Como seria belo esse “Paraíso”,
A julgar pelos agradáveis quanto efémeros momentos destas tardes-noites da
minha cidade, como seria belo esse Paraíso.
Mas Deus não desistiu. “ - Por teres
feito isto, serás maldita entre todos os animais domésticos e entre os animais
selvagens. (…) Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no
calcanhar”.
E, durante mais uns momentos, dou
asas à minha reflexão: É por isso que, neste novo mundo, nesta nova maneira de
viver, Deus não deixa de estar presente acompanhando sempre cada idade, cada
situação, cada momento da História, da minha história. Todos continuamos a ser
Seus Filhos, a sermos da mesma “massa”, a precisarmos do Seu Carinho, da Sua
Paciência, da Sua Bondade e sobretudo da Sua Presença nas nossas “loucuras” de
gente crescida e empertigada no nosso nada em crescimento.
Tal como as crianças, tal como os
pais, em tempos lúdicos, familiares e fugazes, nos muitos “jardins” da cidade
que sou, Deus marca encontro comigo. Não perde oportunidade alguma; em todos os
desafios, ganha sempre e, mesmo que Lhe resista, leva sempre a melhor. Ele é
Vida plena, sempre jovem e sempre o Primeiro e o Último a desafiar-me, para que
eu possa vencer, não só agora ou no outono da vida, mas também quando o inverno
chegar.
Guarda, 01-09-2018
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P. Alfredo Pinheiro Neves
Assistente Geral
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